NÃO SOMOS NÓS QUE POSSUÍMOS A VERDADE MAS É ELA QUE NOS POSSUI
É a verdade que nos possui, é algo vivo! Não somos nós os seus possuídores, mas somos agarrados por ela." Essa é uma reflexão sobre a "arte de ser homens". Que consiste na certeza de que só é possivel "viver e morrer bem quando se recebeu a verdade e quando a verdade nos indica o caminho." A "verdade" conduz o homem a "ser homens de modo reto" e suscita "alegria e gratidão" no coração do crente.
No Deuteronômio vemos a "alegria da Lei": lei não como vínculo, como algo que nos tira a liberdade, mas como prenda e dom. Quando os outros povos olharem para este grande povo _ assim diz a leitura, assim diz Moisés _ então dirão: Que povo sábio! A dmiraremos a sabedoria deste povo, a equidade da Lei e a proximidade do Deus que está ao seu lado e que lhe responde quando é chamado. É esta a alegria humilde de Israel: receber um dom de Deus. Esta lei não foi ele mesmo que a fez, não é fruto da sua genialidade, é dom. Deus mostrou-lhe o que é o direito. Deus deu-lhe a sabedoria. A lei é sabedoria. Sabedoria é a arte de ser homem, a arte de poder viver bem e de poder morrer bem. E só se pode viver e morrer bem. E pode-se viver e morrer bem só quando se recebeu a verdade e quando se recebeu a verdade e quando a verdade nos indica o caminho. Estar gratos pelo dom que nós não inventámos, mas que nos foi dado em dom, e viver na sabedoria; aprender, graças ao dom de Deus, a ser homens de modo reto.
Com efeito, segundo a nossa fé, a Igreja é o Israel que se tornou universal no qual, através do Senhor, todos se tornam filhos de Abnraão; o Israel que se tornou universal, no qual persiste o núcleo essencial da lei, desprovido das contigências do tempo e do povo. Este núcleo essencial da lei, desprovido das contigências do tempo e do povo. Este núcleo é simplesmente o próprio Cristo, o amor de Deus por nós e o nosso amor por Ele e pelos homens. Ele é a Tora viva, é o dom de Deus por nós, no qual agora todos recebemos a sabedoria de Deus. No estar unidos a Cristo, no "com-caminhar" e no "com-viver" com Ele, nós mesmos aprendemos como ser homens de modo justro, recebemos a sabedoria que é verdade, sabemos viver e morrer, porque Ele mesmo é a vida e a verdade.
Se lemos hoje, por exemplo, na Carta de Tiago: "Sois gerados por meio de uma palavra de verdade"... Vem-nos imediatamente a pergunta: mas como se pode ter a verdade? Hoje, a ideia de verdade e de intolerância estão quase completamente fundidas entre si, e assim já não ousamos crer de modo algum na verdade ou falar da verdade. Parece que está distante, parece algo ao qual é melhor não recorrer. Ninguém pode dizer: tenho a verdade _ esta é a objeção que se faz _ e, justamente, ninguém pode ter a verdade. É a verdade que nos possui, é algo vivo! Nós não somos os seus dentetores, mas somos arrebatados por ela. Se nos deixarmos guiar e mover por ela, permaneceremos nela; se estivermos com ela e nela, se formos peregrinos da verdade, então ela estará em nós e por nós. Penso que devemos aprender de novo este "não-ter-a-verdade". Foi a verdade que veio a nós e nos impele.
Creio que estas palavras de São Tiago se diregem precisamente a nós como teólogos: não só ouvir, não apenas intelecto _ fazer, deixar-se formar pela verdade, deixar-se orientar por ela!
A Igreja pôs a palavra do Deuteronómio _ "Onde existe um povo cujo Deus está tão próximo, como o nosso Deus está próximo de nós, cada vez que o invocamos? Na Eucaristia isto tornou-se realidade plena. Sem dúvida, não é apenas um aspecto exterior: alguém pode estar próximo do tabernáculo e, ao mesmo tempo estar distante do Deus vivo. O que conta é a aproximidade interior! Deus tornou-se tão próximo de nós, que Ele mesmo é um homem: isto deve desconcertar-nos e surpreender sempre! Ele está tão próximo, que é um de nós. Conhece o ser humano, o "sabor" do ser humano; conhece-o a partir de dentro, provou-o com suas alegrias e os seus sofrimentos. Como homem, está próximo de mim, perto, "ao alcance da voz" _ tão próximo que me ouve e que posso saber: Ele ouve-me e responde-me, embora talvez não como eu o imagine. Deus está aqui, e ama-me, é a nossa salvação! Amém!
Hom. do Papa Bento XVI presidida em Castel Gandolfo